Nos últimos dias assiste-se a cada vez maior exigência das empresas para aderirem às Normas Internacionais de Relato Financeiro. Qual é o pressuposto desta iniciativa?
Como deve calcular, o desenvolvimento do comércio internacional e a globalização dos negócios que hoje se assistem, na actual conjuntura mundial, terão e estão a pressionar as Instituições Internacionais responsáveis pela emissão das normas e princípios contabilísticos a uma cada vez maior harmonização internacional. Ora, com a economia globalizada não é aceitável existirem diferentes contabilidades com diferentes resultados, consoante o país onde estamos. A ausência de uma harmonização internacional tem sido o impulso determinante da tal contabilidade que ainda permite várias alternativas que originam significativas diferenças nos resultados e na situação financeira das empresas.
Numa perspectiva contextualizante, recuaria à um passado recente, até 2001, em que a contabilidade era regida por NIC (Normas Internacionais de Contabilidade) emitidas pelo IASC (International Accounting Standards Committee). De 2001 até aos nossos dias, a mesma passa necessariamente a ser em obediência às NIRF (Normas Internacionais de Relato Financeiro), cuja emissão é da responsabilidade do IASB (International Accounting Standards Board).
A alteração de NIC para NIRF envolve uma mudança de fundo: enquanto a primeira abrange apenas a contabilidade, a segunda passa a abranger o relato financeiro. Esta alteração não ocorreu por acaso, pretende-se enfatizar a importância do relatório financeiro e não meramente o tratamento de aspectos contabilísticos. Portanto, a aderência das empresas às NIRF funda-se no facto deste moderno normativo contabilístico transmitir as melhores práticas de relato financeiro das empresas, com maior enfoque na elevada qualidade e uma maior aproximação e harmonização destas práticas, num contexto internacional cada vez mais alargado e globalizante.
Quais as vantagens das empresas ao aderirem a essas normas?
Como eu disse anteriormente, o facto das empresas não poderem apresentar os resultados diferentes por transacções semelhantes - permitindo facilmente a comparabilidade e fiabilidade das suas contas e avaliar o desempenho dos seus activos - pode ser considerado como um dos grandes pressupostos que determinou a adopção das NIRF. Poderia dar um exemplo breve, porém, muito concreto em torno duma empresa de telecomunicações: os significativos gastos de implementação da rede, despesas de arranque, angariação de clientes, encargos financeiros e outros custos podem ser tratados de forma diferente por cada uma das empresas; em todos os casos, com a concordância dos respectivos auditores.
Assim, os resultados actuais e futuros dessas empresas não serão comparáveis. Aquela que tiver levado directamente a gastos a maior parte do investimento inicial não sacrificará os resultados futuros, embora, em contrapartida, apresente capitais próprios inferiores. Portanto, são estas diversas alternativas que passarão a ser eliminadas com a adopção das NIRF.
Que efeitos a implementação das NIRF deverá ter para a competitividade empresarial?
Hoje em dia todos nós somos obrigados a perceber que quando se fala em NIRF, refere-se a uma linguagem contabilística comum que permite preparar, consolidar, auditar e interpretar de forma idêntica a informação financeira. E, a falta dessa linguagem comum tem limitado a alocação eficiente dos recursos económicos e financeiros das empresas, constituindo uma barreira à sua compreensão do risco e rendibilidade das mesmas para os financiadores, investidores e outros credores, representando um obstáculo acrescido, sobretudo aos mercados de capitais.
A adopção das NIRF tem por objectivo assegurar um grau de transparência e de comparabilidade das demonstrações financeiras e, deste modo, um funcionamento eficiente dos mercados de capitais da região e do mercado interno. A convergência e a harmonização internacional das regras contabilísticas constitui assim um elemento decisivo para o aumento da competitividade das empresas e dos mercados num contexto global.
Que condições se impõem, em termos de custos e outros aspectos, para que as empresas moçambicanas operem dentro dos padrões internacionais de contabilidade?
Esta questão de custos inerentes à implementação tem vindo, com alguma regularidade, a ser abordada. Não conheço processos de modernização, sejam de que natureza, que fossem operados sem quaisquer dispêndios financeiros. As empresas deverão preparar-se a todos os níveis, mas com grande e particular enfoque para as áreas de formação e informática, com vista a uma rápida e cuidada adopção das NIRF, e preparação de informação financeira de elevada qualidade.
Para um tecido empresarial dominado pelas PME em 98%, e com fraca capacidade financeira, acha que estas estão em condições de implementar as NIRF?
As NIRF em Moçambique estão sendo implementadas de forma faseada. Inicialmente, foi para as chamadas empresas de grande dimensão, conforme os requisitos prescritos no nº 2 do artigo 2, do Decreto 70/2009, de 22 de Dezembro, que estabelece o Sistema de Contabilidade para o Sector Empresarial (SCE). Para estas, a implementação foi a partir de 01 de Janeiro de 2010. Seguiram-se, em 01 de Janeiro de 2011, as empresas de média dimensão, estas que são assim consideradas, por preencherem os requisitos constantes do nº 3 do Decreto retromencionado.
Ora, relativamente às pequenas empresas e dadas as suas características peculiares não são obrigadas a adoptarem as NIRF. Devendo-se reger pelo Plano Geral de Contabilidade para as Pequenas Empresas (PGC-PE), que, ainda estando integrado no SCE, é apenas aplicado para as demais empresas, cujas situações ou requisitos não se enquadrem ou encontrem previstas nos números 2 e 3 do referido Decreto.
Portanto, não são consideradas nem empresas de grande e nem de média dimensão. Pelo que, foram acautelados estes aspectos e este leque de empresas do nosso vasto tecido empresarial. No entanto, importa salientar que está em curso ao nível do IASB um projecto denominado SME - “Small and Medium Entities” – (entidades de pequena e média dimensão), com o objectivo de se estender a aplicação das NIRF a pequenas empresas.
Quais são as facilidades concedidas às empresas?
Como muitas vezes acontece em todos os processos de mudança, a Autoridade Tributária de Moçambique (AT) tem procurado minorar as dificuldades com que deparam algumas empresas neste processo de implementação das normas. Talvez o termo facilidade não fosse o mais adequado para classificar os esforços que têm vindo a ser empreendidos a nível da AT.
Muitos trabalhos de acompanhamento deste processo de convergência para as NIRF foram e estão sendo desenvolvidos, compreendendo as formações ao público, contribuintes e preparadores das demonstrações financeiras, para além de seminários, esclarecimento de dúvidas “on the job” e outras acções de disseminação.
Que obstáculos se impõem à implementação da iniciativa em Moçambique?
Temos claramente que assumir que os obstáculos são vários. Mas o primeiro e talvez o mais sonante é a elevada complexidade e, o segundo, quiçá, seria a volatilidade das próprias NIRF. Só para apontar uma área onde efectivamente os problemas são notórios, muitos dos nossos contabilistas locais não estarão preparados para dar resposta adequada à capacidade inovadora dos agentes financeiros que, cada dia, surgem com diferentes variantes de instrumentos financeiros. Pelo que, os contabilistas das empresas, controllers, gestores, e outros stakeholders, necessitarão de contínuos e longos períodos de formação.
A adopção destes modernos normativos contabilísticos representa um desafio enorme para qualquer país que se proponha a tal. Em termos gerais, pode-se dizer que, a prática nos países onde as NIRF já foram implementadas tem demonstrado grandes dificuldades nos primeiros anos da sua adopção.
Como é feito o processo de importação das técnicas internacionais de relato financeiro e quais os custos de importação?
Posso afiançar que os custos de “importação” destes normativos contabilísticos não são tão baixos. E, com alguma segurança, estou imune em dizer que muitas das grandes empresas nacionais e quase todas as multinacionais têm vindo a aplicar estas técnicas internacionais de relato financeiro na preparação e apresentação das suas demonstrações financeiras aos seus investidores, accionistas e empresas participantes. Seria uma grande utopia pensar-se que nos primeiros anos de convergência os custos inerentes à formação, reparametrização do sistema informático e consultoria pudessem ser baixos.
Ainda que as despesas se situem nessa magnitude, não temos assistido a muitas solicitações de empresas nacionais a consultores estrangeiros. Quase todos os trabalhos de convergência têm sido largamente realizados pelos escritórios de consultoria nacionais (as chamadas Big Four), não afectando, evidentemente, a actividade do sistema financeiro nacional e a agregação de inputs para o pleno funcionamento da nossa economia. No tocante a esta matéria e de acordo com os dados disponíveis, igualmente, asseguro que não tem havido pedidos para exportação de capitais, decorrentes de pagamentos ao exterior de consultorias nesta área específica.
Temos técnicos nacionais treinados na matéria, e em número suficiente para garantir celeridade no processo de implementação desta iniciativa?
Eu seria demasiado optimista e quase desonesto intelectualmente, se lhe garantisse que temos Técnicos de Contas em Moçambique treinados e em número suficiente que possam assegurar uma implementação célere, neste processo de adopção a estas matérias contabilisticas. Eu quase que me condenaria à mim próprio, porque seria desmedidamente paradoxal, crer que tínhamos antes das NIRF contabilistas em número suficiente para cobrir as necessidades das diversas empresas espalhadas pelo país fora. Então, se isso não é verdade, claramente que também seria uma grande inverdade que tenhamos hoje técnicos nacionais treinados, e em número suficiente para entrarem nesta primeira vaga de convergência à este paradigma das NIRF. Admito que isso constituiria um grande mito.
As técnicas internacionais da organização de contas estão incluídas no plano curricular das instituições nacionais de formação de contabilistas?
Olha, o projecto de implementação prevê nos seus Termos de Referência a revisão dos currículos e materias usados actualmente na formação dos estudantes dos cursos conexos à contabilidade e auditoria. Relativamente a este assunto, tenho a dizer que duma forma geral, foram feitos trabalhos de avaliação dos currículos que actualmente estão sendo usados, em todas as universidades, colégios, institutos profissionais afins e, concomitantemente, feita ainda a avaliação das necessidades de formação e do know-how de diferentes tipos de profissionais existentes. Adicionalmente, estão em curso trabalhos de monitoria para averiguação das competências e necessidades dos docentes. Estas acções visam, essencialmente, obter uma amostra representativa de professores e docentes a nível nacional, disponibilizando-lhes os respectivos cursos de formação adequados, quando necessário.
Desde que as NIRF foram introduzidas no país, em 2007, como tem evoluído o nível de implementação?
O processo de implementação das NIRF iniciou no nosso país, com o sector financeiro em 2007, mais concretamente com a Banca, ou seja, com as Instituições Financeiras sob a supervisão do Banco de Moçambique. Quando nos referimos ao sector financeiro, claramente sugere-nos também a componente dos seguros. Mas este último, ainda que seja parte integrante daquele sector, não iniciou naquele ano.
A natureza das suas operações, as características singulares das actividades das seguradoras e a sua estrutura organizacional ditaram o adiamento da adopção destas normas. Contudo, actividades estão sendo desenvolvidas ao nível dos seguros, tendo, ao longo do pretérito ano, sido aprovados diversos instrumentos legais por forma a permitir que a transição para as NIRF ocorra ainda no decurso de 2012.
Quanto ao sector empresarial, a implementação tem vindo a observar-se nos moldes descritos anteriormente, com as grandes empresas na dianteira a partir de 01 de Janeiro de 2010, e médias empresas, a partir de 01 de Janeiro de 2011. Globalmente, pode considerar-se que o processo de convergência às NIRF tem correspondido às expectativas.
Algumas iniciativas de apoio às empresas, caso da que foi recentemente lançada pelo Ministério da Indústria e Comércio, impõem que as empresas tenham as suas contas organizadas ao nível das NIRF, para se tornarem elegíveis. Sente que isto está a ajudar na corrida empresarial para a implementação da iniciativa?
A princípio, a regra é de que quaisquer iniciativas ou estratégias lançadas pelo Governo são para o incentivo da actividade económica e, por conseguinte, melhoramento das condições de vida dos cidadãos. Sendo esse o primado, julgo que o nosso Governo pretende incentivar e estimular as empresas a adoptarem com maior celeridade a estas normas, no pressuposto óbvio de que as mesmas proporcionam vantagens acrescidas, e promovem uma leal competitividade.
Trata-se de uma ideia concebida mesmo com esse objectivo?
Não gostaria muito de explorar o campo das especulações. Não disponho de elementos suficientemente sólidos para tecer comentários em torno desse assunto.
Quais são as empresas cujas contas já estão organizadas segundo os padrões internacionais?
De acordo com o nosso plano de trabalho e a lista compilada em função dos requisitos constantes do Decreto 70/2009, de 22 de Dezembro, estaríamos neste momento a falar de um universo de cerca de 50 empresas, consideradas de grande dimensão que iniciaram em 2010, e outras 70 de média dimensão, cuja implementação deste novo normativo contabilístico foi a partir de 2011.
Quanto tempo é necessário para termos 100% das nossas unidades produtivas com as contas organizadas segundo as NIRF?
Eu tenho dito aos meus próximos, que não podemos ser demasiado optimistas. Atingir os 100% não estariamos diante de perfeição, mas duma vistosa e iminente imperfeição. Quem tenta falar de perfeição, esse pode ser suspeito e ser considerado o indivíduo mais imperfeito. Como fiz referência anteriormente, mesmo com o revogado PGC aprovado pelo Decreto 36/2006, de 25 de Julho, nós, em Moçambique, não tínhamos todas empresas com a contabilidade devidamente organizada. Não pretendo também ser demasiado pessimista, mas gosto de ser realista.
Ademais, as unidades produtivas que devem aplicar estas novas técnicas de preparação e apresentação das suas demonstrações financeiras estão todas adequadamente seleccionadas. Muitas outras poderão estar enquadradas no âmbito das SME (small and Medium Entities), cujo pacote das NIRF a ser aplicado por este tipo de empresas encontra-se ainda em “exposure draft”. Salientar ainda, que não se vislumbra no curto prazo por parte do IASB, uma eventual possibilidade de adopção directa das NIRF por este mosaico empresarial.
Qual a experiência do mundo, mais particularmente da África neste domínio?
Actualmente, cerca de 135 países do mundo inteiro adoptam as modernas normas contabilísticas. Mais de 40 países exigem o uso das normas do IASB para todas as sociedades domésticas cotadas, e muitos países baseiam as suas práticas nacionais nessas normas. E, particularmente, para o caso do continente africano, existem países onde as NIRF são permitidas ou exigidas, como é o caso de África do Sul, Botswana, Malawi, Maurícias, Quénia, Tanzânia, Zimbabwe, entre outros, e muitos outros países como Gana, Madagáscar, Namíbia e Zâmbia, onde os processos de convergência já tiveram o seu início, como está acontecer agora em Moçambique.
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